domingo, 28 de junho de 2009

O que é o património? Eis algumas respostas simples, por Simon Thurley

PÚBLICO - EDIÇÃO IMPRESSA - CULTURA
Director: José Manuel FernandesDirectores-adjuntos: Nuno Pacheco e Manuel Carvalho
POL nº 5475 Terça, 22 de Março de 2005


O presidente do English Heritage, o instituto britânico do património,esteve em Portugal. Simon Thurley diz que o grande desafio é convencer as pessoas a não trabalharem contra o desenvolvimento económico.
Para este especialista, "o património são as pessoas". E o futuro.

Por Lucinda Canelas

Simon Thurley, o presidente do English Heritage, o equivalente britânico ao Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar), esteve três dias em Portugal a visitar mosteiros e palácios. Ippar e English Heritage assinaram um protocolo de cooperação porque, segundo Thurley, têm muito a aprender um com o outro. Não é para menos: Portugal e o Reino Unido nunca trabalharam juntos nesta área. Thurley, 42 anos, dirige desde 2002 um dos maiores e mais conceituados institutos do património do mundo - é responsável por mais de 400 monumentos e sítios, recebe do governo 177 milhões de euros por ano e tem 11 milhões de visitantes.
Ex-director do Museu de Londres, Thurley diz que os britânicos se interessam cada vez mais pelo património e que os organismos que o tutelam se devem preocupar mais em "gerir a mudança" do que em tentar impedir que ela aconteça. "O património são as pessoas e o que elas investem nos tijolos."
É autor de livros sobre edifícios históricos e, considerado um comunicador nato, já fez vários programas de televisão para a BBC sobre património. Um deles, no ano passado, foi visto por mais de 1,5 milhões de pessoas. Um homem que fala da necessidade de comunicar e ter lucro sem complexos.

PÚBLICO - O que é que aproxima o English Heritage e o Ippar?
SIMON THURLEY - O English Heritage já trabalhou com todos os países da Europa dos 15 à excepção de Portugal, o que é muito estranho. Pelo que pude perceber, são provavelmente mais parecidos que qualquer outras duas organização de património da Europa: ambos têm de cuidar de monumentos, classificar edifícios e planear.
Que projectos quer realizar com o Ippar?

Ainda é cedo para adiantar pormenores. A maioria dos sítios do English Heritage são muito mais comerciais do que os do Ippar. E nós temos muito a aprender com a forma como o Ippar classifica os edifícios.

Em que medida?

Em Portugal, o processo de classificação é público, o proprietário é consultado. Em Inglaterra tudo é feito em segredo. Só se sabe que o edifício foi classificado quando o proprietário recebe uma carta. Não devia ser assim. O sistema português, que é mais discutido, é melhor, apesar de mais burocrático.No Reino Unido quanto tempo demora classificar um edifício?
Uma semana, um mês...
Em Portugal pode levar dez anos...
É um dos custos da consulta pública. Gostávamos de ter um sistema que não fosse tão lento como o vosso mas igualmente aberto.
Qual é o vosso principal objectivo?
Garantir que o "ambiente histórico" é passado às gerações futuras tal como chegou até nós ou melhor. Passamos muito tempo a identificar os bens que queremos salvar e as soluções para a sua conservação.

O que é que quer dizer exactamente com "ambiente histórico"?

Preferimos usar "ambiente histórico" porque abarca tudo: paisagens, jardins, parques, sítios arqueológicos, edifícios medievais, palácios do século XVIII, arranha-céus dos anos 60.

Quantos bens têm de gerir?

Temos 420 sítios de gestão directa abertos ao público. Mas temos cerca de 400 mil edifícios classificados e 30 mil sítios arqueológicos.

Quais são os principais desafios que o património britânico enfrenta?

A Inglaterra está a atravessar um período de profundas transformações económicas, o que cria uma grande pressão nas infra-estruturas: estradas, aeroportos. Todos estes equipamentos têm potencial para afectar o património. O nosso desafio é fazer com que estas transformações melhorem o "ambiente histórico".

Qual é a chave para conciliar "ambiente histórico" e desenvolvimento económico?
Convencer as pessoas de que é melhor trabalhar com o "ambiente histórico" do que contra ele.
O financiamento não é um problema?
É um problema enorme. Este ano recebemos do Governo 177 milhões de euros e tivemos de receitas próprias 72,4 milhões. Mas as contribuições do Governo estiveram congeladas durante dez anos...
Os trabalhistas apoiam o património?

Não temos sido bem financiados, mas espero que no futuro venhamos a ser porque o nosso trabalho é reconhecido assim como o papel social do património.

Qual é o vosso ponto forte?

A mais-valia está na nossa grande experiência comercial. O sistema de protecção do património costumava ser um dos mais avançados. Hoje não é. É por isso que é preciso reformá-lo.

Que reforma é essa?

A conservação tinha a ver com preservação - impedir que as coisas acontecessem. O que queremos agora é mudar a forma como as pessoas pensam a conservação - ela tem sobretudo a ver com a gestão da mudança. É ela que cria a história e, por isso, o "ambiente histórico". Temos de ajudar as pessoas, que se interessam cada vez mais pelo património, a aceitar a mudança.

Como é que explica esse interesse?

Com a própria mudança. O desenvolvimento económico faz com que as pessoas olhem para trás à procura do que é permanente.

O que é que define o património?

As pessoas. Há dois erros comuns no que diz respeito ao património. O primeiro é pensar que é sobre edifícios - é sobre as pessoas e o que elas investem nos tijolos. O segundo é pensar que é sobre o passado - é sobre o futuro, o que ficará depois de nós desaparecermos.

1 comentário:

  1. Muito bem, gostei imenso e se poder contribuir estou aqui e o Sr. Simon tem uma definição de património muito futurista, que em Portugal vai ser dificil de implementar, pois não se investe nas pessoas em nenhuma àrea.
    Em relação às fotografias apresentadas seria bom poder-se fazer algo.
    Continuação de bom trabalho.

    Elisabete Simões

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